sexta-feira, 31 de julho de 2009

gripe do porco.

"Há noites que não posso dormir de remorso
por tudo o que deixei de cometer.
"
Mário Quintana
Mais um devaneio, só pra variar. E há ainda quem pensava que este blog algum dia viria a ser útil!

Recebi a notícia de que minhas aulas na faculdade seriam canceladas até dia 10 de agosto. A decisão abrange todas as unidades da UFPR no estado, devido ao aumento do número de casos de jovens e adultos atingidos pela formalmente conhecida gripe H1N1 (gripe suína, para os conhecidos mais íntimos).
O problema é... Exelente. Ganhamos dez dias. Mas, no que eles realmente ajudam? Curar todos os doentes e erradicar a peste em dez dias? Acho que não.
Uma breve conversa com meu pai me levou à uma visão absurda e apocalíptica. Não, fiquem sossegados, não sou médium nem nada. Pelo menos não que saiba. A idéia me entrou na cabeça como se fosse um roteiro de filme. Talvez eu aproveite estes dez dias para escrevê-lo, nem que seja em curta-metragem.
Em meu devaneio, tomava banho para uma sexta-feira normal de férias. Me trocava, maqueava, e, por fim, vestia uma máscara cirúrgica. Saía para a sala, afim de pedir para meu pai abrir o portão e: tanã! Ele usava o mesmo acessório.
Saindo pela rua, nenhuma alma-viva. O clima cinzento de inverno parecia pior do que nunca, quase negro. Dentro do ônibus, mais vazio que o usual, todos com as mesmas máscaras brancas.
Chegando à praça onde usualmente encontrava meus amigos, más-notícias: óbito de alguém que conhecia pouco. "Vamos ao funeral?", alguém dizia. "Não sei, o que vocês acham? Na volta podemos sair para beber".
Junto do povo, começamos a andar pela rua. No caminho, cortejo fúnebre passando pela rua vazia. Pouca gente se atrevia a ir a enterros, então apenas dois carros seguiam o caixão.
Paramos para comprar qualquer besteira em uma banca. Numa pequena televisão, um homem de terno era entrevistado: falava sobre a crise econômica acarretada pelo adiamento de todas as funções. Funcionários obrigados a trabalhar neste período de pandemia tinham motivo o suficiente para processar os patrões - o pânico atingia a todos, uma vez que os remédios faziam pouco efeito diante do virús.

Agora imaginem que entrou o comercial e sua mãe decidiu mudar de canal para assistir a novela. Fim de história, sem direito a reprise para saber o final!
E não vale me xingar!
Vou guardar o meu trunfo para caso decida realmente escrever isso.
Mas confio que ninguém venha a roubar minha pobre idéia - poucas almas-vivas lêem este blog. '~'

quarta-feira, 29 de julho de 2009

nietzsche e diógenes.

"E a forma como Nietzsche ousava dizer as coisas! Imagine! Dizer que a esperança é o maior dos males! Que Deus está morto! Que a verdade é um erro sem o qual não conseguimos viver! Que os inimigos da verdade não são as mentiras, mas as convicções! Que a recompensa final dos mortos é não morrer mais! Que os médicos não têm o direito de privar um homem de sua própria morte! Pensamentos malignos! Debatera com Nietzsche cada um deles. Contudo, fora um pseudodebate: no fundo do coração, sabia que Nietzsche estava certo."
Quando Nietzsche Chorou
Irvin D. Yalom
Conversei com Erick, em estado etilico alterado (uma das poucas coisas que o motiva a ter diálogos), e acabamos por falar sobre filosofia. A discussão culminou no empréstimo de um livro, uma semana mais tarde: Quando Nietzsche Chorou.
Demorei alguns dias para finalmente começar a ler. Preguiça, sono, etc. Agora lamento ter protelado tanto. Que livro viciante!
O romance ocorre em Viena. Um conhecido médico judeu, de nome Breuer, é convencido por uma beldade russa a consultar um paciente - ninguém menos que o então desconhecido Nietzsche! Além disso, conta com participação especial de Sigmund Freud e citações a nomes como Wagner e Schopenhauer.
Enfim, como estou cansada demais (essa maldita insônia ainda vai me matar!) para elaborar qualquer pensamento a respeito das questões do livro, separo este tempinho apenas para dar esta sugestão. A trama é envolvente, e cheia de assuntos interessantes, que mesmo localizados temporalmente no século XVII, não deixam de ser pertimentes na atualidade. Vale a pena para quem gosta de ler e fazer filosofia.
Para quem não tem paciencia de ler algo com aproximadamente 400 páginas, há também a adaptação cinematográfica do livro! Produzida em 2006 e dirigida por Pinchas Perry, a versão não foi ao cinema, mas deve voltar a passar no Telecine Cult nos dias 26 e 27 de agosto.
***
Por falar em filosofia, aliás, me lembrei de algo: Diógenes!
É o nome da banda do professor Daniel, que dava aulas da matéria quando cursei o terceirão no Medianeira. Sinto falta de dormir sempre e, ainda assim, tirar notas exelentes!
Além dele (que toca baixo, guitarra e faz vocal), integram a banda outros dois músicos (que se não me engano, também lecionam), chamados Roni (mais uma vez, baixo, guitarra e vocal) e Levi (bateria e percussão).
Enfim, fuxicando no meu bloquinho de notas do ano anterior, lembrei de ter anotado o MySpace da banda. Por saudades do professor, um dos mais queridos de todo meu ensino médio, visitei a url. São apenas cinco músicas divulgadas, e não sei se eles têm mais. Mesmo sendo pouco, adorei! É um som meio alternativo, com letras críticas baseadas em assuntos reais: violência urbana, desemprego, entre outros.

Vou deixar o post inconcluido e tentar dormir um pouco antes de mais uma aula. Então, farewell!

terça-feira, 28 de julho de 2009

sonho.

Mais uma madrugada insone! Uuuhul!
Tive um sonho perturbador, lá por uma hora da manhã, que me manteve acordada, por outra uma hora e meia. Não bastasse o fato de que tenho sono pesado, e normalmente não me lembro das maquinações de minha mente. Sinceramente me assustei.
Portanto, acho que vale a pena escrever um pouco sobre isso. Talvez assim, consiga organizar meus pensamentos e voltar a dormir tranquilamente. A expectativa de esperar a exaustão para conseguir finalmente voltar ao aconchego de Morfeu não me anima.

Estava sentada no chão, encostada numa parede. Era noite, e pensava em absolutamente nada. Comecei então a sentir meus batimentos cardíacos, numa suave melodia de veias. A respiração desacelerando... Quase como se fosse um fardo, pesada e ruidosa, se comparada ao simples fluir que sentia. Minhas costas começaram a formigar, quando me apoiei mais na superficie que vinha logo atrás de mim. Algo como uma fusão... Percebi que agora meu sangue se espalhava por toda a extensão dos tijolos. E do chão de concreto. E depois da terra, sob ele... E do ar ao meu redor. Era como se eu fosse tudo.
Fui engolida por aquilo, seja lá o que for. Pelo mundo? A conexão era evidente. Como se minha vida fosse parte essencial deste mecanismo complexo. Deixara de me sentir como ser individual, e me tornara natureza.

Havia outra parte do sonho, mais sensível ainda. Os esforços para relembrar as sensações desta etapa me privaram da lembrança. Basicamente, eu era regurgitada em algum ponto de um futuro, onde eu realizava alguma coisa importante que sempre quis, e lamentava coisas que poderia ter feito hoje, mas empurrei com a barriga e nunca realizei. Como conversar mais com gente que não vejo há tempo, algo que evito por preguiça.
Me eximo um pouco da culpa, devido às atitudes inovadoras que tenho tido. Uma delas foi, ontem mesmo, ligar para minha mãe de livre e espontânea vontade, sem interesse algum, além de ter uma boa conversa.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

caminhada.

Eu sei que andava na rua. E que chovia, isso podia ouvir. O guarda-chuva era absurdamente grande e pesado. Já estava com os tênis e as barras da calça molhados, mas... Pra quê ligar? A ressaca esmigalhara meus miolos logo no começo do dia.
Meu namorado me guiava pela mão. Eu, lenta como só, aproveitei para olhar os ladrilhos e divagar. Nunca consigo fazer isso com tanta facilidade. Preto, branco, branco, preto, banco, preto, preto... Hmm... Aquilo lembra um cristal de neve... Será que algum dia eu vou ver neve? Realizar meu sonho de ir para a Inglaterra...? Seria divertido... Poderia trabalhar. Melhorar meu ingles... E que droga de sotaque o meu... Mas não sozinha... Acho que eu ia me paralisar, sozinha. Pararia no aeroporto, olhando todos aqueles britânicos em roupas de frio, sem saber o que fazer, aonde ir. Como perguntar as horas? Sei que se pedir ride, não seria entendida, a palavra correta lá seria lift para carona... E se ninguém me entender...? E se não conseguir voltar? E se fosse atropelada? Se tivesse uma ressaca? Se me perdesse? Se apanhasse?
De repente... Me senti criança. Mal sabia aonde estávamos, no Centro de Curitiba. Nem tinha idéia de porque fôramos tão longe.
Pior que tudo. Me senti idiota. Dependente. Que tipo de garota deixaria de realizar um sonho porque ninguém mais quer ir junto? Se não houvessem impeçilhos, assim digamos. Quem abriria mão de um desejo de anos por não se sentir só?
E então, o monstro transmutou-se. Não sei porque. Me vi levando meu futuro com a barriga. Sem mais passeios de rumo duvidoso pelas calçadas molhadas. Sem mais fins de semana com amigos. Só trabalho, compromissos.
E se me casasse? Às vezes penso nisso. Aos dezoito, idade que tenho agora, meus pais já estavam noivos. Aos vinte e um, casados e com uma pirralhinha. Sem direito a viagens para a Europa, curso de ingles, término de faculdade...
Por sorte, um calafrio me percorreu a espinha, afastando todos os pensamentos.
Chovia e estava frio. Olho para calçadas e me sinto bem com isso.
Além disso, tenho aquela mão, que vai fazer o máximo para me aparar se eu cair.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

quase!

"Eu sei o mal que fiz, já está feito,
mas lhe pedi perdão por ser assim,
e o coração que tenho no peito
não quer acreditar
já nem estou mais aqui,
nem em qualquer lugar!"
Imperfeito
Pato Fu
Foi foi com a parte de mim da qual menos me vanglorio que meu queridíssimo Eu Lirico se deparou neste sábado.
Perdido há muito tempo dentro daquele edifício mal-cuidado, de corredores labirintosos, o pobre coitado só se alimentava com a esperança de conseguir a liberdade. Deprimido, reprimiu-se. Perdeu o ânimo de me mandar notícias. Sendo assim, minhas reflexões diárias se limitavam a coisas práticas: música, cinema, literatura, fofoca das amigas, alcool.
Naquele dia em particular, enchera-se de ânimo. Vestiu a casaca formalíssima, no maior estilo poeta morto, arregaçou as mangas cuidadosamente para não arruinar o tecido, e tornou a caminhar, como se houvesse um objetivo. Pouco depois, virando em um corredor, deparou-se com um vulto que vinha correndo em sua direção.
A criatura possuía cabelos castanhos presos em maria-chiquinhas, enrrolados com cuidado. Trajava um vestido infantil retrógrado, de mangas longas e saia rodada. Meias brancas até os joelhos, ralados por travessuras. Parou os sapatinhos de couro preto com fivelas prateadas muito em cima da hora para evitar uma colisão.
- Quequé, tiio?
O Eu, apesar de confuso, comovia-se com a visão de ser tão doce. Abriu um sorriso simpático, e ajoelhou-se à frente da menina. Baixou o tom de voz para algo suave, escolhendo as palavras com cuidado para agradá-la.
- Olá, fofura... Para quê a pressa? Aonde vai, correndo assim?
- Me chamaram láá foraa! Eu vou sair, e você nããoo!
Empalhidecera com a criança contando vantagem. Havia ser assim, dividindo o mesmo espaço que ele naquela mente? Jamais encontrara ninguém, por ali!
- Pode me... Hmm.. Explicar...?
- Assim, ó: eu vô sair, fazer um fuuurdunço! Daê, depois, quando eu tiver cansadinha, volto pra durmí um poquinho. Mas se for bom meesmo, vô ficar lá baastante, e voltar bem rapidinho, só pruma soneca. É que daí eu posso sair di novo - sorria de forma maliciosa, olhinhos castanhos faíscando de felicidade.
- Como assim... "Furdunço"?
- A Mila me soltou. E euzinha vô lá, inxê o saco di toodo mundo!
- E eu posso saber quem você é?
- Euu so a criança interior mimada dela, claaro! Sabia dessa não?
- Aahn... Não?
- Éé, eu saio pra tacá o caos. Quando a criança fofa dela não consegue chamar a atenção, eu vô lá, fazê todo mundo olhar pra ela - com isso, colocou os braçinhos atrás do corpo, balançando-o para frente e para trás, afirmando o que dissera com o corpo inteiro.
Eu ficara sem palavras. Além daquela coisinha, ainda havia outra?!
- Óói, é tipo Halloween: se não dão doce pra otra, eu vo lá e faço travessuras!
- E agora, o que houve...?
- Largaram ela, deixaram ela di lado... Dae eu vo lá. Licencinha, mas eu to atrasada! - assim, maneou a cabeça rapidamente e voltou a correr.
Eu ficou abismado com a velocidade da criança, e tentou segui-la. De repente, então, deu de cara com uma parede que ali não existia. Cansado, deixou-se cair no chão e adormecer.
Enquanto isso, no mundo exterior, o lado mais egoísta da pobre escritora tomava o controle de suas ações, auxiliado pelos goles de Presidente que ela havia tomado.
E foi assim, que quase joguei dois meses de namoro no lixo. Por não conseguir ser paciente o suficiente.

Mais tarde, Eu foi acordado por passos lentos e arrastados. Eram os mesmos sapatinhos, que agora voltavam. Confuso e sonolento, viu a menina passar de volta por ele, com cara de choro. Chamou-a, e viu um olhar carente iluminar-se no rostinho tristonho, anteriormente tão prepotente.
- Já cansada?
- Ela... - fungou na manga do vestido amarrotado - Ela tá di ressaca... Não é bom... Assim ela pensa no que eu fiz, e... E... Se arrepende...
- Pode explicar...?
- Quando ela se arrepende... Eu fico mais tempo presa aqui... - abaixou o rosto, secando algumas lágrimas. Depois começou a rir sozinha - Só que se eu sair di novo... Vai ser mega, master, blaster legaaal! - levantou-se e voltou para onde quer que tenha vindo, criando seus planos mirabolantes.
O então confuso eu, se perdeu mais ainda ao levantar os olhos e perceber que uma janela havia aparecido, onde antes havia a parede contra a qual colidira. Abriu-a ressabiado. Podia sentir as gotas de chuva e o clima cinzento. Então, chamou-me, e narrou sua história. Narrei a minha para ele também.
E foi assim que refleti. Assim que pensei em como redimir meus pecados.
Porque eu só sei dar valor ao que perco. Não quero mais andar na corda-bamba. Já estive lá, não quero voltar.
G, te amo. Mesmo depois de me ter feito pensar mil merdas, e gargalhar em seguida. Pra dizer bem a verdade, justamente depois disso.
Pena que você não tenha nem idéia do impacto de tudo que você faz sobre mim...

sexta-feira, 17 de julho de 2009

estrepado.

"O amor é bicho instruído."
O amor bate na aorta
Carlos Drummond de Andrade
Lembro perfeitamente. Pequeno, chegou discreto. Percebi, estava lá. De começo medroso. Fez cara de manha, e o deixei ficar. Alojou-se no meu peito. Logo tomou conta. Cresceu com velocidade fenomenal. Nada mais ali cabe. Nada mais quero que caiba.
Agora... Lá vai. Trocou os passos cautelosos por um trote frenético.
Correndo pelo quarto. Plena madrugada, sem me deixar dormir. Uma das muitas criaturas que rodeiam meu mundo torto. Ingênuo. Tornou-se confiante. Cada vez mais certo de si. Percebeu a própria existência e vangloriou-se. Cada dia mais sólido, mais bonito.
Aí! Tropicou no tapete, neste instante. Levantou bambeando. "Pobre coitado!", sussurro "senti sua dor".
Então, sorriu, alguns dentes mais banguela. "Tolinha! Para amar é preciso suportar cair", disse.
E eu em choque, com o tanto de sangue no chão. Riu de mim.
"O importante é a velocidade com que se levanta".

Acho que compreendi.

segredinho.

"Ontem fiquei tão assustado,
gritei como uma criança.
Ontem longe de você,
me congelou profundamente.
"
In-Between Days
The Cure
Não um ser comum, andando por aí. Sem graça. Como eu.
Um fantasma, isso sim. Doce demais, vívido demais.
Demasiadamente real. Mas ainda assim, suave demais.
Um relance. Talvez nem a entidade percebesse que existia.
Só eu o via. Sentia. Gritava para mim mesma. Imóvel e incapaz.
Deve ser o trauma. Deve ser a angústia.
Deve ser a paranóia. Deve ser só o ciúme.
Engoli o choro e quase me afoguei. Criança com medo de sombras.
Patética criatura vendo monstros onde não há nada além.
Sobrevivi com muita luta. Fiz pouco caso. Quis ser forte.
"Estranha, eu? Nãão. Não é nada. Estou com sono."

Ao menos, os mortos estão enterrados.
Rasgados, jogados e abandonados.
Possível que só eu lembre deles.

Que sorte, ateus não acreditam em ressurreição.
Se Deus existir, então, fodeu de vez.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

dois meses!

"Onde você está é onde quero ir,
nos seus olhos, todas coisas que quero ver.
E na noite, você é meu sonho,
você é tudo para mim.
"
Love of My life
Dave Matthews Band feat. Santana
Isso aí. Dois meses de namoro.
Normalmente eu não penso em datas, nem ligo pra aniversários. Mas este é especialmente importante. Ele marca mais um ciclo de mais ou menos trinta dias, desde o dia em que aquele sarna bêbado me pediu em namoro.
Aliás... Pediu? A trêbada aqui lembra de tudo, menos um pedido tradicional.
"O que você quer ser? Heim? Minha ficante...? Ou outra coisa?"
Enquanto isso eu berrava, pra superar a música alta do Tatoo, implorando pra não ter que dizer a palavra mágica. Ao fim, cedi, e emocionadamente, tropiquei num banquinho. Me joguei sobre ele. "Namorada, porra, quero ser sua namorada!".
E nesse tempo também teve a história da aliança. Que na verdade era um piercing no dedo anular da mão direita, mas inflamou. Agora, é um par de bolinhas vermelhas, no lugar onde ficava a jóia de aço cirúrgico.
E a viagem para a chácara do sogro. Da qual, na realidade, vi pouco mais do que a vista do quarto permitia.
E os cachecóis. E o lençinho de uma amiga. E outras coisas também...
Definitivamente... Parece mais do que simples dois meses, sobre os quais mal tenho palavras pra falar.
Melhor parar por aqui, antes de outra crise emotiva.

insônia.

Mais uma vez, a cidade dorme, e eu, aqui, insone.
As noites em que pesadelos me rodeiam são cada vez mais comuns. Tenho medo de deitar no travesseiro e me render a meus demônios.
Sempre fui uma pessoa que fala demais. Blá, blá, e blá. Apesar de parecer ser um livro aberto até demais, guardo muitos remorsos. Coisas idiotas, que às vezes me pego relembrando. Memórias ruins de tempos estranhos, distorcidas por mim mesma para que minha percela de culpa nos erros parecesse maior.
Hoje, a idéia que me mantém acordada e não se afasta é a de que todas as pessoas da terra têm uma razão para me odiar.
Aqueles que leem esta porcaria de blog e sacodem as cabeças pensando "mas que droga, outra crise de pânico?!". Aqueles que me veem sentada num ônibus, encolhida, jogando paciência no celular, mentalmente dizendo "burguesinha de merda". Quando me sento em um banco, mesa ou qualquer lugar para ler um livro, sinto olhares me fuzilando com a mensagem "olhe, mais uma menina metida a cult". Até mesmo quando saio de casa e vou encontrar o pessoal, me pergunto se aquelas pessoas que vejo todos os fins de semana não imaginam, em conjunto, que maravilha seria se eu não fosse.
De vez em quando, parece que vivo na corda-bamba. O que, por incrivel que pareça, acontece quando tudo está bem. É nesses momentos calmos que tudo parece bonito e brilhante demais para ser verdade. Abaixo a cabeça e espero a próxima facada. Nem que seja só mais uma noite de insônia.
O mais incrível de tudo é que, ao invés de ser uma garota extremamente emotiva e apegada aos outros, sou uma sociopata! Jamais saberei exatamente o que o coletivo confabula sobre mim. Também não me importo em compreender. Não faço nada que não seja por meu próprio benefício, e o admito. Se tenho um círculo de amigos, é porque a sociedade me obrigou, e também porque é confortável. Se ouço uma pessoa me contar um segredo, é mais pelo orgulho de ser considerada digna de confiança que por consideração. Se ajudo a alguém é mais para me considerar benevolente que para agradar. Se mantenho certas pessoas próximas, é porque me agradam e divertem.
Claramente, me contradigo. Qualquer pessoa que me conheça percebe que tenho momentos afetivos, e crises de racionalismo exacerbado em relação a relações.
Sociopata bipolar. E insegura.
Definitivamente, preciso de um psiquiatra.

terça-feira, 14 de julho de 2009

edson.

Enquanto assistíamos televisão, vimos uma menina loura se desfazer em lágrimas. Não consegui me conter, e, mais uma vez, soltei a pergunta banal:
- Pai, eu chorava assim quando era criança?
- Não, na verdade... Eu não me lembro de ter te visto chorar por algo que não fosse um machucado. Você sempre foi uma criança muito quieta. Ainda é assim, e às vezes me preocupo.
Não era a primeira vez que ouvia aquilo. Mais ou menos nas mesmas palavras, mas com aquele exato ar que só ele consegue ter: meio saudoso, sempre gentil - comigo. De vez em quando sério. Eternamente furioso com atendentes de telemarketing e suporte técnico.
Meu pai é um homem fechado. Herdei isso dele. Me lembro que nas primeiras vezes em que o vi conversar com alguém que não fosse um amigo próximo ou familiar, me assustei. Não tinha o mesmo tom casual que comigo. Até a risada era diferente. O olhar variava: de vez em quando, parecia querer avaliar o impacto de suas frases sobre ou ouvinte. Em outras ocasiões era distante e sóbrio. E eu, ali, olhando para cima, buscando aquele olhar sincero, que não esperava nem escondia nada. Sempre explicava tudo que eu queria saber. Histórias do tempo de quartel, como conheceu minha mãe, o que achava das pessoas, o que fazia com os amigos, as festas em que foi... Dava conselhos, mesmo aqueles que não quis ouvir. Não hesita, ainda hoje, em passar horas comigo no sofá, nem que seja em silêncio, ou me ensinando.
Por sinal, sempre aprendo com ele. Da cultura inútil ao que realmente importa. Grande homem, esse Edson.
Uma das memórias mais fortes que carregarei eternamente, é uma noite em um hospital, em que eu, aos seis anos, sem sequer saber o que era pneumonia, tinha tido uma. No corredor, ele sentou-se em uma cadeira e, mesmo com vários outros lugares vagos, me sentei em seu colo. Afundei minha cabeça gorducha no seu peito, enquanto ele cantava baixinho, para que só uma pequena pessoa pudesse ouvir.
"Terra, terra... Por mais distante o errante navegante, quem jamais se esqueceria..."
Às vezes me pergunto se não o privo de partes demais de minha vida. Se não deveria contar-lhe tudo o que penso, tudo o que sonho. Se erro em não usar todo o seu potencial de amigo, achando que ele me repreenderá se eu lhe contar algo que fiz.
Antes mesmo de temer qualquer coisa que me possa acontecer, temo desapontá-lo em relação a minha atitudes, ou aborrecê-lo com meus desabafos juvenis. Por isso, busco me considerar uma pessoa independente e responsável por meus atos - acho que ele deve se orgulhar disso.
Mas, mesmo que não saiba o que comi no almoço de sábado ou o que faço madrugada adentro, o que realmente importa é justamente o fato de me compreender, mesmo sem que precisemos trocar uma só palavra.
Pai... Te amo.

sábado, 11 de julho de 2009

hd.

Dois dias que não saio da frente da televisão!
Eu nunca fui do tipo de garota antenada em tudo que acontece por aí. Só pra descobrir que a Dercy Golçalves morreu, levei uma semana. Pro Michael Jackson, levei dois dias. Mas, ainda assim, adoro sentar meus preguiçosos fundilhos no sofá, ao lado do meu querido pai (que tem um traseiro tão preciçoso quanto, senão mais).
Tanto ele quanto eu, somos viciados em tecnologia, algo realmente muito acessível nos ultimos anos. Tínhamos video-cassete em casa desde sempre. Discman, também. Quando chegou o tal do dvd, arranjamos. Gravador de dvd para computador? Necessário, com certeza! E o mp3 player? Anos que não vivo sem. Celular é apêndice do meu corpo desde os oito anos, nem que não tivesse linha e só servisse para jogar Snake.
Este ano, adquirimos uma televisão de 42". Sonho de uma vida! O cinema-particular ficou completo com a aquisição de um home-theater decente. Conectando um notebook à tv, conseguíamos assistir qualquer filme que quiséssemos aproveitando o máximo potencial da televisão.
Dog (?) bless HD TV!
Que maravilha é poder assistir a qualquer filme e dizer "hmm, aquela atriz linda tem cravos no nariz, como eu!", ou "hahaha, o ator tem a pele oleosa! Não somos os únicos defeituosos!".
Desde então, não tenho mais crises existenciais, querendo cortar fora as minhas pintinhas de beleza. Não me afogo em cremes para tentar fechar os poros do meu rosto, absurdamente abertos. Não me maqueio tão pesadamente, com medo que descubram que uma das minhas sobrancelhas é mais alta que a outra, ou que tenho uma pequena cicatriz no queixo. As celulites, nem digo nada. Qualquer filme com praia comprova que as grandes estrelas também têm laranjas no lugar de bundas.
Estou em paz com a minha aparencia, finalmente!

terça-feira, 7 de julho de 2009

compromisso.

"E nem vou pensar se me chamar
pra fugir contigo outra vez,
não vou pensar se amanhã
a certeza será talvez
."
Adeus Sofia
Dance of Days feat. Fernanda Takai
Chorei assistindo televisão. Fazia tempo que não acontecia algo assim.
Eu sou uma pessoa esquisita. Descubro que estou em crise comigo mesma quando começo a escrever demais sobre mim; mudo de idéia o tempo todo, parece que nenhuma palavra no mundo me expressa. As que chegam mais próximas disso são aquelas que definem meus defeitos.
E, apesar de saber quais são eles, de arquitetar planos para corrigi-los, nada sai da mente. Palavras a esmo, que de repente eu esqueço.
Também tenho o costume de deixar de lado o que realmente é importante.
Estou aqui para pedir desculpas mais uma vez, só que agora de forma generalizada.
Perdão a todos aqueles amigos maravilhosos que já tive, e que perdi por não conseguir dizer a eles o quanto os amava. Perdão a todos aqueles com os quais perdi contato por ser teimosa, impaciente. Perdão aos que ainda tenho e me aturam, dia após dia; aos que secam minhas lágrimas quando me desespero, aos que me protegem de tudo que pode vir a magoar. Aos que agem em meu favor, me consolam, e aos que simplesmente escutam, sem dizer uma palavra. Perdão por não perceber o quão importantes são, por não conseguir levantar os olhos do meu próprio umbigo.
Perdão ao meu pai, que sofre me esperando a altas horas da noite, e que no fim, sabe pouco de minha vida, mas me conhece como ninguém. E perdão à minha mãe, uma pessoa que não compreendo - e também não me esforço para compreender.
Já me diagnostiquei como histérica, desligada, sociopata, sem jamais saber direito o que tenho de errado. Acabo de descobrir.
Não sou sensível, e nunca fiz muitas coisas para mudar. Minhas palavras bonitas são egoístas. Meu lirismo é drama, e talvez, por isso, esteja recluso em uma parte de mim que não entendo.
Aquele prédio, do qual uma vez falei, com infinitos corredores brancos, e onde meu Eu mais doce está perdido, é justamente este espaço de minha alma que não conheço. Nunca passei por mais que a recepção, e por isso não me encontro nos corredores.
Tudo porque tenho medo de me magoar. Não quero mais ter que juntar meus pedaços.
Então, decidi assumir um compromisso comigo mesma.
Tentarei ser mais gentil, sem pedir nada em troca. O que receber, servirá de bônus.
Percebi que a vida é curta demais. Normalmente evito pensar nisso. Quero conhecer o mundo, e quero agora. Afinal, não há tempo a ser perdido. A qualquer momento posso atravessar distraidamente uma rua, e ter meu corpo estilhaçado. Posso ser alvo de um serial killer, ou sofrer uma hemorragia devido a um corte com uma faca de pão. Posso entrar em coma alcoolico numa das noites em que tento afastar todas estas questões desagradáveis de minha cabeça. Posso chegar aos quarenta sozinha, por nunca ter dito nada do que realmente sentia.
Então, me apresso por gritar em plenos pulmões: eu os amo!
Amo aqueles que não me conhecem, e perdem tempo lendo esta porcaria.
Amo aqueles que me seguraram no colo quando era um bebê. Quem me sufocou de tanto carinho e preocupação, e quem não soube demonstrar nada disso. Quem se irrita e briga comigo em plenas dez horas da manhã, apenas por temer por minha segurança, meu futuro.
Amo quem me enche o saco, perguntando se estou bem quando ficar sozinha é tudo que quero.
Amo quem me diz que dia e hora é a prova, quem me ajuda a estudar. Quem corre pelos cantos comigo.
Amo quem me pede socorro, porque acha que só eu poderei ajudar. Quem me confidencia seus planos, pedindo opiniões para supreender aos outros - mesmo que eu sinta inveja.
Amo quem promete coisas, mesmo que não cumpra, só para me ver sorrir. Tenho certeza que, se fosse possivel, não hesitaria em nenhum instante.
Amo quem não deixo dormir, quem segura meus braços quando passo mal, quem seca minhas lágrimas quando choro. Quem se ofende por ser o motivo de meu desespero.
Juro que tentarei ser mais confiante de quem sou. Juro que tentarei ter mais certezas, me posicionar melhor por mim mesma. Juro dar o meu melhor.
Juro me esforçar para ser aquela garota para quem você recorrerá quando ninguém mais te compreender.

Juro por vocês, e por mim.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

guilherme.

"As luzes querem me ofuscar,
eu só quero que essa luz me cegue."

Nem cinco minutos guardados
Titãs
Ainda estou de ressaca, e nada do que digo faz sentido.
Preciso pedir desculpas, mas não sei se conseguiria olhando nos seus olhos.
Tenho problemas para perceber quando erro, e também para aceitar isso. Pedir perdão é quase uma humilhação para esta coisinha teimosa.
Houve um tempo em que fui mais confiante. Não tinha medo de abrir meu coração, falar tudo que pensava. Acho que aquele conhaque decidiu que era hora de extravasar tudo que estava plantado dentro de mim.
Não me sinto bonita o suficiente. Não me acho simpática, nem engraçada. Sou repetitiva, fico dando voltas em circulos. Mesmas pessoas, mesmos problemas, mesmos ataques. Minhas inseguranças ficam todas a mostra. Queria ser uma pessoa mais forte, mas não me esforço. Queria ser mais espontânea, mas me resguardo com excesso. Apesar disso, sou vulnerável a tudo que dizem.
Qualquer olhar torto teu me leva à loucura.
Quando te senti distante de mim (ou eu de você, não sei), me desesperei silenciosamente. Quis afogar tudo, esperar. O problema é que o monstro se libertou.
Meu medo é que você descubra todos esses defeitos que tenho, e se canse. Que ao conhecer melhor minhas piores fraquezas, tudo mude.
Confio que você se esforçe nesse momento. O problema é que não sei se consigo te entender. Sei que há coisas que guarda para si mesmo, mas me angustia não ser alguém com que você fale tudo. Não ser uma pessoa que consiga te ajudar a se sentir melhor.

Apesar de você não concordar, tem sido a melhor coisa que me aconteceu nessa droga de ano. Eu te amo, e não quero te perder.
Por favor, me perdoe por ser tão infantil.

sábado, 4 de julho de 2009

cativo?

"Incapazes os homens
que falam de tudo
e sofrem calados.
"
Requiem para uma flor
Raul Seixas
Eu continuo dizendo, Michael Jackson não morreu! Era tudo golpe de marketing pra vender cds!
Ele vai levantar no enterro e abrir aquele imenso sorriso macabro, dizendo "brinks, to vivão!".
Mas, muito bem. Não me linchem ainda. Apesar de ser piada, do fato de que sinceramente não me surpreenderia ele realmente fazer isso, eu admito: o cara era bom. Esquisito, mas absurdamente foda. Sem palavras.
Brincadeiras à parte, quem sou eu pra falar de normalidade?

Por sinal, perto da meia-noite, depois de me certificar de que todos em casa estavam no sétimo sono, saí para o jardim. Costume recente, por razões recentes. Sentei em um degrau da garagem, olhando para cima.
Foi quando meu Eu Lírico de alguma forma conseguiu se comunicar comigo. Sabe-se lá como. O perdi dentro de mim, e não sei onde está exatamente, como achá-lo.
Antes, ele vivia comigo. Sequer precisávamos trocar palavras. Sua mera presença, junto da minha pessoa, já expressava tudo que eu precisava saber. Agora me sinto distante... Na verdade, nem me sinto muitas vezes, insensível à maioria dos estímulos. Literalmente, fui dividida por mim.
Enfim, conversamos por algum tempo, eu e meu Eu. Mas, não se assustem, não é esquizofrenia. Não até ser diagnosticada. Sempre há a chance que eu seja simplesmente poética, ou uma mensageira do transcendental (mesmo atéia, me inclino pra segunda opção, devido à este lastimável blog que mantenho as custas do Marcelo ler meus delírios).

- Sentindo falta de algumas estrelas?
- Da maioria, pra dizer a verdade... A última vez que parei pra olhar pra cima, haviam tantas... Estas parecem mortas, perto das que já vi. Deve ser a poluição da cidade.
- Ou... A ausência de companhia. E não me refiro a mim.
- Bom... Talvez. Não sei mais se estou distante dos outros, ou os outros de mim. Tenho medo de que isso continue... Não quero terminar sozinha. Sem ofensas, mas um Eu Lírico, apesar de necessário, não é o que tenho em mente como conceito de sociabilidade.
- Tudo bem, não vou levar pro lado pessoal. Mas, então, me diga o que te afeta em palavras, talvez eu possa te ajudar. Não sou útil com cálculos, se for esse o seu problema, só pra te lembrar...
- Cálculos também são problema, mas não são os únicos. De repente um medo absurdo me oprime. Não tenho mais certeza de nada. Vivo em insegurança.
- Hm... Aquilo. Temor de ser deixada.
- Temor de deixar de ter graça. Por vários momentos me sinto como a criatura mais imbecil do mundo. Todos têm uma piada a contar, uma história interessante. E eu... Nada. O que digo não tem o mesmo efeito que teria se fosse outra pessoa. De repente me sinto abandonada. Mas ao invés de lutar contra isso, te tranco em algum canto na p*** que p****.
- Hmm... Acho que você não deveria se importar tanto. Quer dizer, por dezoito anos, você não estava nem aí. Quanto a me trancar... Socoooorro, é chato demais por aqui!
- Mas hoje... Amo gente que parece não se importar com isso. E eu nunca vou saber se o que me dizem é verdade. Nunca vou poder confiar inteiramente neles.
- Lamento, mas não posso ajudar daqui...
- Quê?!
- Eu te ajudo a ver o mundo mais bonito. A se expressar e colori-lo. Agora, a coragem de extravasar é sua. Confiança sempre foi seu problema. Você tem a opção de se tornar uma psicótica, evitando mágoas, e acabar com no máximo duas amizades tão perturbadas e inseguras quanto você. Ou pode parar de se importar tanto, até que os problemas realmente apareçam e você tenha um problema real, e não imaginado nas mãos.
- Eu...
- Fala, paixão.
- Você é um inútil no critério "chamada de longa distância".
- Aah, eu tive uma professora muito boa, sabe?

quinta-feira, 2 de julho de 2009

eu e mila.

"Com minhas invencíveis asas de diamante,
serei capaz de voar, revidar contra a dor.
Nos juntaremos e choraremos por você.
[...]"
Crash
Penicillin
E a ordem agora é não fazer sentido! Não que eu faça muito, mas são só detalhes...
Não fui eu quem se perdeu, foi meu Eu Lírico!
Entenda-se que ele é uma entidade amorfa assexuada, que assume o pronome masculino por meros fins gramaticais. Onisciente do que penso e passo. Uma espécie de deus ou demônio, nunca saberei ao certo.
Madrugada de chuva em Curitiba, e a "coisa" decidiu sair para passear. Me deixou no quarto, em frente ao teclado, e se foi pela janela. O deixo solto devido ao que as noites simbolizam para mim - a maior liberdade desta pobre criatura, desde que ninguém desperte. Hora do exorcismo, ou seja lá o que for que ocorra. Momento de pensar com clareza, depois do enfadonho dia sobrevivido. É quando sonho acordada, já que para mim, dormir é como morrer por algum tempo.
Enfim. O Eu saiu em jornada. Cruzou a rua, olhando o firmamento, maravilhado, apesar de haver nuvens por toda a parte. Mas ainda havia esperança: neste mundo mais exterior, apesar de ainda ter que lutar pelo controle de si mesmo com aquela garota imbecil, o sol poderia aparecer por mais de cinco minutos sem ser coberto por inseguranças.
Perdeu a noção do quanto caminhara, vendo jardins invernais, calçadas molhadas, gotas caindo dos céus... Como não estava acostumado com tamanha calmaria, começou a ficar inquieto.
Percebeu um prédio quase em ruínas, escondido atrás de um jardim descuidado. Pintura velha, plantas crescendo em caos pela fachada, vidros quebrados. Através de um deles, viu um ambiente acolhedor.
Confuso com a contradição, decidiu entrar. O saguão era simples, vazio. Não havia portaria, nem mesa para recepcionista, só alguns sofás, espalhados pelo cômodo. Subiu uma escada estreita e meio escondida. Acima, corredores brancos. Algo lhe soava familiar. Prosseguiu para ver onde chegava.
Eu, como Lírico que era, confabulava consigo o tempo todo. Começou a perguntar-se aonde estava. Caminhara tanto sem perceber que era possível que tivesse voltado para casa, uma vez que viver em uma mulher não se resumia a um apê com sala, cozinha e dois quartos. Era todo um mundo esquisito. Quase nunca percebia sua própria localização, e sempre descobria recantos estranhos. Era só ela se dispor um pouquinho mais a refletir que, cabum! Um bairro novo aparecia.
O corredor tinha curvas, e parecia contorcer-se indefinidamente. Das portas, que dariam para as janelas, nem sinal. Tudo branco, preenchido apenas pelo eco dos passos.

Cansado, sentou-se no chão. Definitivamente, não estava mais onde queria. Frustrou-se ao lembrar que a garota escrevia de forma confusa, e tinha problemas com conclusões. Além disso, tinha a tendência de induzi-lo imperceptivelmente a trabalhar em grandes questões, questões profundas, e esquecê-lo.
Se era este o caso, seria deixado ali mesmo. Não se incomodava pelo tempo, que para ele era medida insensata. O problema era o tédio...

Mais tarde, se levantaria, mas por enquanto, só queria respirar.

Assim ficou Mila, sem sua sensibilidade no presente momento.