sexta-feira, 15 de maio de 2009

café.

"[...] Já não me preocupo se eu não sei porque
às vezes o que eu vejo quase ninguém vê,
e eu sei que você sabe quase sem querer
que eu vejo o mesmo que você. [...]"

Quase sem querer
Legião Urbana
Levantei do sofá em um inicio de madrugada. Não sabia bem o que queria, então, como de costume fui à cozinha. Acho que é por isso que sou gorducha; quando não tenho o que fazer, sento em um banco, em uma pequena mesa retangular, ao lado do balcão. Ligo uma tv, sem realmente assistir, belisco alguma coisa, bebo o que tiver.
Nesta noite, em especial, percebi que havia um gole de café na garrafa térmica - aquele derradeiro, que mal dá um copo. Quente e sem açúcar. Ri sozinha.
Isso porque o amargo dessa bebida me fez lembrar de outra noite. Uma noite em que, noutra cozinha, alguém andava em circulos, confuso, enquanto eu ria. No fim, acabamos bebendo um café solúvel de gosto estranho. Mas valeu a pena.
Somente mais tarde vim a perceber a intensidade do elo que formamos, eu e outro viciado em cafeína. Bebendo em silêncio, perto do amanhecer, nos aproximamos mais do que muitos conhecidos em anos de existência.
Ele me olhava, e eu quase me recusava a perceber. Primeiro, porque tinha namorado. Segundo porque, oras bolas, eu não fazia o seu tipo, nem ele o meu. Era mais fácil acreditar em carinho fraternal. Chamá-lo de irmão, enquanto ele fazia meus gostos. Alcançava biscoitos no alto da geladeira, preparava bebida para mim. Conversava comigo enquanto esperávamos a aurora, desesperados para que aquele frio fosse embora. Ria de minhas piadas infames, e fazia outras. Quando percebia, meu abdome doía, a coluna reclamava da postura ruim, desenvolvida durante horas em um banquinho desconfortável; mas, nada que importasse muito.
A realidade é que jamais alguém havia me protegido tanto, além de meu próprio pai.
Eu já havia perdido as esperanças de sentir algo tão arrebatador. Na realidade, achava que a ausência de romance em minha vida de devia ao meu amadurecimento. Temia tanto me tornar uma mulher amarga, daquelas que largou os bets há muito tempo. Por isso, eu namorava. Por isso, me recusava a terminar e acabar esperando, durante outros dois anos, por alguém estável, seguro e confiável, mais uma vez.
Foi quando comecei a partilhar noites com ele. E a observar aquele sorriso juvenil. Mas, imagine, meu amigo! Não, além de não acreditar muito bem, eu via aquilo como um teste. Ter um bom amigo do sexo masculino, que me ouvisse, e por quem eu agisse como gente madura, sem pensar em romance. Porque, afinal, mulheres adultas não podem ter casinhos à torta e a direita. Elas sabem o que querem.
Aaah, e aquela carinha de cachorro sem dono? Depois de me tornar sua amiga, percebi o quanto a talzinha que o esnobara antes de eu realmente conheçe-lo estava perdendo... Era um cavalheiro. Se tratava uma amiga qualquer daquele jeito, que se diria de um par? Pobre talzinha...
Foi então que, em uma noite com o pessoal, em que eu percebi. Enquanto meu amigo dormia, numa pose estranha no banco da praça. Não sei se ele se lembra, mas sempre que eu virava meu pescoço e olhava em sua direção, perguntava-lhe se estava bem. Ele só balançava a cabeça. E eu sorria, vagamente. Assim como eu, ele preferia sentar-se num canto e sentir as vertigens.
E, em outro dia, combinamos de sair. Em um dia de semana. "Acidentalmente" os únicos disponíveis para o programa. Peninha, teríamos que andar sozinhos. Quase tive uma vertigem. E se só eu imaginasse aquilo? E se ele realmente me visse como irmã? E se aquele tal climinha, que todos juravam ver ao nosso redor, fosse só isso, um amor de amigos, confidentes?
Um encontro disfarçado de banalidade, parecido com tantos passeios em grupos grandes que já haviamos tido. Com o diferencial de sermos dois. Rimos. Conversamos. Levamos uma amiga em casa. Fomos à biblioteca. À Rua XV. Ao mercado. Ao ponto de ônibus. Eu já estava relaxada. Ele me fazia esquecer que tinha problemas. Não era a primeira vez que eu sentia isso ao seu lado, mas era a mais intensa.
E foi quando ele me beijou. Que demora! Achei que nunca iria! Mas foi. E foi mágico. Porque me senti tão tonta, e tão sem ar, mas, ainda assim, não me faltaram reflexos. Mais do que esperar, eu percebi que ansiava por isso. Seus braços eram tão confortáveis. Era como se eu pertencesse a eles. Tão confortável quanto possivel.
E, durante mais uma noite, ficamos acordados tanto quanto possível. Mais uma vez, rindo. Como par de babacas que somos. Já que só nós rimos de todas nossas piadas. E, ao acordar, bebemos café.
E no sábado de manhã, beberemos outra vez. E no próximo. E depois. Indefinidamente, espero.
E talvez seja o café, ou a ansiedade por vê-lo amanhã, que me mantêm acordada. Acho que um traz o outro. Então, busquei meu notebook, e aqui estamos agora. Você aí, lendo, e se perguntando "como uma bebida tão amarga pode lembrar tantas coisas?".
Minha resposta: muito açucar. E uma guria sem noção o bastante pra ver elos em tudo.

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