quarta-feira, 18 de novembro de 2009

vicio.

"Há sangue em minha boca
porque mordi a lingua a semana toda.
Eu continuo falando lixo,
mas eu nunca digo nada.
E falar leva a tocar,
e tocar leva ao sexo,
e então não sobram mistérios.
"
Rilo Kiley
Portions for Foxes
Apesar do esforço, foi absurdamente dificil conjugar os verbos no passado.
Peguei um ônibus errado. Me frustrei quando ele virou na esquina errada, xingando mais alto do que queria. O rapaz ao meu lado se assustou. Sorri para ele, com a cara toda vermelha - acho que fiquei monocromática, já que estava ruiva.
Olhando pela janela, começei a fazer planos. Desceria em um terminal, pegaria outro ônibus. Poderia fazer outra conexão e descer em frente à confeitaria (convite para um café, já que eu desmaiava de sono), ou ir a pé de lá mesmo, matando tempo para evitar estudar.
Começei a relembrar os dias anteriores. Como você só percebe que faz falta quando perde. Que algumas coisas simplesmente não tem motivo, então não me adiantaria de nada perguntar porquês. Que quando uma pessoa faz algo que acha errado, não conta detalhes ao admitir... Que não adianta ser justa em um mundo injusto. Que você toma lados mesmo quando quer ser neutro. Que o lado que escolhe sempre tem a ver com a emoção que se sente, e com aquilo em que se quer acreditar.
No domingo me descontrolei. Um rapazinho simpático e querido sofria de coração partido, e desabafava devido a um porre. Dia de merda, aquele. Ele dizia querer morrer. Então, corri em sua frente e lhe estapeei o rosto. O único assunto em que ele não podia tocar era aquele. Caí no choro e corri para trás de uma pilastra. "Você realmente anda psicótica", pensei. Por entre as lágrimas e as mãos em meu rosto, vi aqueles all stars brancos-quase-pretos, com solas arrebentadas. Chorei mais ainda.
Tentei explicar, entre soluços, a razão do descontrole, da bofetada e dos gritos. Quando uma pessoa mais nova sofre por menos do que você e pensa em se matar (mesmo que bebados não pensem), as coisas deixam de fazer sentido, certo? Afinal, se algo lhe ocorresse, seria uma justificativa para que eu pensasse na opção... E eu não queria pensar. Deixei implícito para o dono dos all stars que aquilo era culpa dele. Acho que ele fisgou a história...
Sequer vi quando os outros foram embora. Me atrasei quase quatro horas para chegar em casa. Ficamos conversando. Acabamos nos abraçando. "O que mais me faz sentir sua falta é o seu cheiro", ele sussurrou. Fiquei branca: "depois depois de todo esse tempo, e depois de tudo isso, só agora você me diz que cheiro bem?!". Quase quis dar-lhe um tapa, mas me contive com seu sorriso...
Aah, minha mania de impossível. Sempre desejando aquilo que não alcanço. Desde o brinquedo na última prateleira da loja até... Bom. Deixa quieto. Enfim, meu maior defeito, o mais irremediável. E ainda mais com o agravante de ter um vício - qualquer sorriso, qualquer toque dele... São meus tesouros. Momentos que guardadei para sempre. Como viciada, não me importo de onde vem a droga. como chega. Apenas a desejo.
Por causa dessa mania errática é que vi o terminal em que planejava descer passar pelas janelas do ônibus. Pensei dissimulada um "aah, que droga... Bom... Agora é tarde. Será que ele está em casa? Daqui é perto, posso chegar em questão de minutos" e mudei meu rumo. Descobri que o destino original não era nada, comparado com o lugar onde queria estar.
Quem sabe assim poderíamos consertar a história, para que o pretérito não fosse mais necessário?
Acho que não me importo se ninguém mais gostar do que escolhemos - ou melhor, escolhi - como enredo. Me basta minha dose regular de G.A.C., e ao diabo com o resto.

Porque nem te odiando, deixei de te amar.

Um comentário:

  1. E a história continua assim... Mais um capítulo desse romance, onde a protagonista decide por seus sentimentos escolher o melhor para ela, e não o melhor que os outros acham que devia ser para ela.

    Esse leitor torce sempre por um final feliz, em todas as histórias que lê, e essa é uma especial. Na qual eu leio desde o começo, desde o prólogo. Eu estou torcendo, de todo o coração, para que o ultimo capítulo termine assim: e eles viveram juntos até a velhice, com as mãos entrelaçadas, compartilhando os mesmo sentimentos, a mesma alma.

    FIM

    ResponderExcluir